Nós, os contadores de histórias



Se tão mais próximos nos sentimos, instantaneamente, daqueles que se dispõem a contar suas histórias particulares de vida, tão menos solitários se fazem os nossos dramas pessoais, e tão mais aquecidos e cuidados parecem os nossos viveres ao encontrar alguém aberto a compartilhar de si e do que lhe vai no mais íntimo da essência; porque tantos de nós ainda relutam em deixar vir à tona os maravilhosos aspectos de suas trajetórias não embalados em perfeição?  Aqueles sem fita colorida e papel celofane, que saíram diferentemente do previsto, os que não condizem com a estrutura social, que não se assemelham em nada à vida do vizinho, os que podem gerar espanto, divergência, pranto. 
Verdadeiramente, sabemos que sequer um dos aspectos de nossa trajetória é embalado em perfeição, pois nós não o somos, e mesmo assim, nada satisfaz mais algumas almas do que poder mostrar, mesmo por algum momento, uma vida de porta-retrato, aquela onde os sorrisos estão corretos, a disposição das pessoas e demais elementos da imagem está harmônica, as roupas foram escolhidas com antecedência e planejamento, o plano de fundo dialoga homogeneamente com os protagonistas. Tudo à espera do "xis" que imortalizará a perfeição da cena.  
Para quê? Para quem? 
Se tão bela e louca é nossa humanidade destoante, nossos passados dissonantes, nossos hinos desafinados, nossos sonhos diferentes. Se não há nada mais estimulante do que o encontro e a troca de ideias - e só podemos nos encontrar e trocar ideias com quem se deixa vir à tona, lá do fundo dos seus receios e inadequações - , se nos sentimos mais nós mesmos à medida em que expandimos nossa percepção do quanto cada um é ímpar, e por isto, um distinto universo paralelo completo em si próprio, intenso de nuances a nos apresentar, fazendo-nos, portanto, mais parecidos uns com os outros; como desenharmo-nos todos nestes porta-retratos massificados onde ninguém realmente deseja morar?  
São as nossas histórias que nos tornam co-pilotos automáticos das viagens alheias. Escolhemos caminho e caminhar, e cruzamo-nos com os caminhantes outros que  desnudam partes incomparáveis e mágicas de suas fábulas diante dos olhos e ouvidos atentos. E que pena irreparável cruzar com um caminhante que passe calado por nosso entorno, que se tema repartir por insegurança de seus ditos fracassos, aqueles eventos que ninguém aplaudiu e, portanto, murcharam sob tão equivocada denominação. E que tragédia cruzar então, com um caminhante que discorra desenvoltamente apenas  sobre todas as coisas magníficas nas quais acertou sempre, não revelando um décimo de seu espírito. Porque a tragédia, não está nas catástrofes que dizimam vidas, nos crimes que abreviam pessoas, ou nos sentimentos que desnorteiam realidades. A tragédia verdadeira do nosso viver está em passar obstinadamente mudos, surdos ou cegos, por tão ricos contadores de histórias que se esbarram em nós diariamente, sem que alguns deles tenham aprendido, ao deixar nossa presença, ao menos uma história real - e quanto mais íntima, mais real - das tantas partes de nós que podemos emprestar. 



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