A Vida é o Cúmulo




Tem dia que anoitece querendo a revolta , a indignação, o ódio, mil declarações naquele tom de "isto não vai ficar assim" ou "eu me levantarei" - o cúmulo da dor de cotovelo, convenhamos; e o cúmulo do ridículo da carência. 
Já não com tanto humor, é possível afirmar que é também o cúmulo da injustiça, da  dor. E se dor, por si, e como a palavra mesmo anuncia, machuca... pensar no cúmulo da dor não é coisa agradável de se fazer numa segunda-feira de manhã. Estraga todo clima de início. Mas os nossos ciclos são exatamente assim. Nunca veem antes para perguntar se é bom o momento para aparecer. É o cúmulo da inconveniência. Sempre quando não queremos, quando não precisamos, quando não gostaríamos, quando estávamos indo quase bem, quando tínhamos alguns esboços tímidos de planos e direções mais alegres na cabeça. São repetitivos. Dizem-se de si, depois de já haverem dito tudo. De verdade, atrapalha a agenda da gente sofrer. Mesmo aquele sofrer onde você se levanta, sim; se veste, e aparece para dar conta do recado. Mesmo aquele onde você passa um bom batom, coloca um som legal, pesquisa coisas produtivas e se recusa a ficar no seu umbigo, interessando-se por assuntos do mundo e do ser humano. Mesmo quando você tem várias paixões na vida, aquelas que lhe empurram para frente e fazem olhar com encanto poético para a beleza do que lhe espanta. Mesmo o sofrer no qual você tem absoluta consciência do desperdício de tempo do qual vem sendo autor, do quão inútil será, e da quantidade de coisas absolutamente inadiáveis que precisam ser postas em movimento. O cúmulo da falta de inteligência, mas não direi burrice para não ser cruel em momento desnecessário.
Tem sempre aquele dia no qual você simplesmente precisa desabar. Assim mesmo, como uma encosta, que traz abaixo as construções e vidas cobertas em solo barrento. E vida mais soterrada, é certo, é a sua. A sua e todas aquelas sub-vidas, semi-vidas, micro-vidas que construiu, cultivou, adornou, perfumou, adoçou, lumiou, abraçou, invocou, acalentou, encantou, profetizou, cantarolou, poetizou, e acreditou, por entre e por dentro da sua. Sub-semi-micro vidas que vão se enlaçando em nossos muros como trepadeiras sem-vergonhas, quando existe o amor. 
O patético, é que ninguém se importa. Nem com o amor, nem com o desabamento. A única pessoa que genuinamente enxerga e sente isto como um grande evento, é você. Porque o mundo, meu bem, continua girando exatamente do jeitinho que você deixou quando saiu para desabar. Claro que você tem a noção de que tudo isto é o seu ressentimento desesperado falando. Como se fosse alterar qualquer coisa para você que o mundo pararasse de girar. O cúmulo da tolice - que tolice passa a ser seu sobrenome. É que quando a gente sofre só, sem o testemunho - tragi-ironicamente - de quem lhe provocou o sofrimento, parece que a coisa multiplica-se de maneira tal, que chegará ao ponto de lhe engolir e nunca mais expelir de volta à vida real. 
Mas há um porém, sempre há um porém. Ou vários. Resgatado o corpo dos escombros do desabamento, e dando uma olhada honesta no espelho, talvez aconteça de enxergar que é mentira a falta do testemunho de quem provocou o sofrimento. Quem provocou o sofrimento, caríssimo, foi você. Assim, talvez seja apenas justo que ninguém mais acompanhe a encosta vindo abaixo. Que testemunhando-se, você, e só você, saiba até onde foi capaz de chegar na hora escura - o cúmulo da vergonha. Mas há um confortozinho besta, que tudo é besta e desnecessário no mundo no dito momento, em saber que o mundo vai estar lá, ou logo ali, girando, em qualquer situação. Caso hajam sobreviventes, será bom ter o mundo para onde voltar - o cúmulo da auto-condescendência. Da falta de opção.   


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