Mirando
Cada um busca como pode seus caminhos para fazer sentido. Muita coisa não faz. Muitos momentos não fazem. Muita gente não faz. A gente mesmo não faz. E há tanto que não foi feito mesmo para fazer. Nem sentido, nem razão, nem então. Dos pedaços que fazem menos sentido, absorvemos os insights que mais fazem. Ou que mais se infiltram sob nossa superfície, mesmo que jamais se possa compreender, decifrar ou traduzir. Infiltram-se sorrateiros, e em nós gravam mensagens, como as mensagens na garrafa jogadas ao mar, fazendo com que a gente só se encontre com elas bastante tempo depois. Cápsulas do tempo de nós mesmos.
Um dia, abrimos aquela gaveta emocional e topamos com o querido insight do passado, talvez um que sempre conhecemos mas nunca interpretamos. Nunca trouxemos para a nossa vida de verdade. Será agora? É um talvez esperando pela afirmação, do sim, ou do não.
A rotação do mundo não foi moldada para esperar que nós nos encontremos com estes instantes de descoberta guardados em algum lugar. E nada mais desconcertante nesta vida do que estar com o ritmo de fora em descompasso com o ritmo de dentro. Perde-se não apenas o chão. Mas o ar, o mar, o fogo. Todos os elementos se perdem, nos perdem, e desconectam-se de qualquer espaço ao nosso alcance.
Acho bastante possível que um bom tanto de gente não se identifique com um relato assim. E acho também bastante lógica a explicação para isso: não é toda a gente que se desprende ao ponto de se perder. Há um pavor tão grande - talvez o único maior do que o pavor de quem já está à deriva - de deixar as margens, de soltar as mãos, de ver a terra se distanciar, e nela, tudo e todos aqueles que são conhecidos e familiares. Uma espécie de recusa ao surto. Imagino que as pessoas mais racionais talvez sejam as que mais penam com isso. Talvez seja um desespero calado, encruado, soterrado. O desespero da resistência em perder, e perder o controle. Nada condenável acalentar um sofrimento assim. Qualquer um que já perdeu o rumo de vista sabe o quanto custa, e a primeira coisa que vai embora é a sanidade. Os valores da mente. As certezas. E, não raro, o impulso.
Se serve de consolo, pode ser bom lembrar que o surto é bastante democrático. Não escolhe vítimas, não manda avisos, não especifica no rodapé a data de partida. Ah, sim, e tem também um calendário próprio. Não conta a passagem do tempo como nós. Ou melhor, não conta a passagem do tempo, ponto.
Na busca por sentido, pode-se perder elementos antes tidos como "imperdíveis". Seu corpo não te pertence, sua voz não te pertence, seus comandos internos ou externos, não te pertencem. Seu pacto com a vida fica suspenso, até que alguma das partes tome posse do território novamente.
Tudo passa a acontecer paralelamente ao universo no qual você habita. E aí então você realmente sente de quantas camadas é feito um mundo.
Não lido tão facilmente com a certeza pois a vida, no fundo, sempre me causa esta impressão de que tudo é relativo e nem mesmo quem profere uma certeza com convicção tem total domínio sobre aquilo. A diferença entre os convictos, e eu, é que eles escolheram pegar uma saída sem olhar para os lados, para a frente, para trás. Sabem seguir, e isto é um dom. Já quem olha demais em volta, ou para dentro, como eu, tem mais dificuldade em tomar velocidade na corrida, porque tudo na paisagem lhe distrai, encanta, ou machuca.
Involuntariamente, existe uma busca constante por respostas, até aquelas que não se conhece as perguntas. E, parece, é justamente estas que não podemos ter, o que fica claro desde muito cedo. Repetidamente, insistimos. Incapazes de "viver só as perguntas", como sugeriu Rilke. É possível que a falta de sentido total seja nada menos do que a consequência natural, no movimento da vida. Talvez assim, a gente se coloque em lugar de parar de buscar respostas, simplesmente absorvendo a existência que nos cerca. E voltando a viver.
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