Selvageria



O bicho humano é mesmo uma criatura muito irracional.

Acha que sabe das coisas, que entende das coisas, que se conhece e que conhece as outras pessoas. Ah, como se engana!

Pensa que quando ouve o que alguém diz, está ouvindo o que ouviu. Errado! Está ouvindo, no máximo, é a interpretação que deu para o que ouviu. E olha lá. Pensa que alguém estará disposto a explicar o que disse, traduzir para o seu próprio dialeto particular. Novo engano. Pensa que, se fala em português e ouve o outro em português, então está tudo compreendido. Tolo! Pode compreender, na melhor das hipóteses, os seus grunhidos, inteligíveis para os demais e vice-versa. Desconsidera as inúmeras linguagens dentro da linguagem, as inúmeras outras possibilidades para o idioma que carrega em si.

Entre uma incompreensão e outra, uma desconversa e outra, procura, escoriado, onde errou. Sem enxergar (ou ouvir) que não entenderia no seu idioma. Sem entender que precisaria de tradução para escutar com outros ouvidos que não os seus. Sim, precisaria pegar emprestados dicionários, gramáticas, livros-texto. Precisaria, invariavelmente, de ajuda. E toda ajuda é pouca nessa hora. Outro tom, outra nota, outro ritmo, enfim, outra verdade.

Verdade com verdade quem sabe tocam-se de longe, um leve beijo de borboleta, com os cilios, encostando e partindo novamente. Entreabrir fugaz onde se capta uma ou outra sílaba do dialeto diferente, juntam-se sílabas de palavras distintas e pensa-se haver formado alguma sequência lógica. Ilógico!

E o bicho humano se julga tão sabido! Em sua interminável ignorância contente, contenta-se com o saber que vê: apenas um flash da paisagem. Um 'de passagem', já de saída. Indo de volta para o seu mundo particular (saudades da telepatia!). Batendo-se contra (em vez de a favor) os outros, todos tão sem real noção.

Muitos insatisfeitos com esta forma de descomunicação. Poucos cientes da mudança alguma que deve haver. Raros buscando uma forma de mudar.

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