Em Boa Companhia



A minha cidade é muito ruim para dirigir.
Sabemos, ao volante qualquer descuido pode ser fatal.
Quem pode se concentrar no volante tendo em volta a minha cidade?
Tento. Mas, a qualquer momento, surgem os cenários mais ricos, as belezas mais belas, as pessoas mais singelas, as emoções mais humanas.
Mesmo num passeio curto, vejo e sinto as águas, com seus personagens e aromas, vejo o senhor que joga a vara de pesca perto da margem, vejo os casais, famílias e amigos que se sentam para curtir uma cerveja, vejo as crianças que balançam e brincam, vejo os turistas que desfrutam a novidade - esta novidade tão doce que é a minha cidade - , vejo os prédios que saem de trás das árvores, das muitas árvores, vejo os bairros de sempre, as avenidas curvilíneas, os bares que anoitecem com o vai-e-vem, vejo os restaurantes tradicionais onde se abarrotam moradores e visitantes, vejo as coisas todas que mudaram, os lugares que fecharam, os espaços reformados, as construções que antes não existiam, vejo o movimento relaxado e manso, mas harmonioso como um ballet, vejo as pontes que escondem e revelam ao fundo, a minha cidade. Vejo o meu chão e o meu céu, e o intervalo quase cruel do enquanto a volta não vem.
Ela tem gosto, tem cheiro, tem cara, e sobretudo, tem personalidade a minha cidade. É ela, única, com seus prós e contras (muito menos contras do que prós), com suas incomparáveis qualidades e seus lamentáveis defeitos. E assim a amo, perdidamente. Com seu sotaque por vezes imcompreensível, seus contrastes tristes, sua vontade de crescer sem perder a identidade, tudo o que lhe falta e tudo o que lhe sobra, e toda sua infinita capacidade de sempre se fazer amar.
Tudo o que é tocado por ela vira ouro. Tesouro descoberto banhado em privilégios e graça.
É dela os meus olhos e o meu cantar. É dela minha admiração e meu orgulho. E é dela, mais que tudo, a minha saudade. Aquele tipo de saudade assim, tão grande e tão inteira, que quando ainda nem se foi, já se espera pela hora de, de novo, chegar.
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Que texto mais lindo e emocionante!
ResponderExcluirToca fundo no coração da gente que conhece essa cidade, e daqueles que não a conhecem e vão morrer de vontade depois de ler essa preciosidade.
Ê mulher das palavras perfeitas!
Me fez recordar tantos passeios que já fiz, desde criança que, por vezes, enquanto meu trabalhava eu me divertia! Do lugar que me formei e das amizades, como a nossa, que nasceram ali.
Obrigada!!
Manda pro jornal pois dará muitos frutos!!
Bjão e ótima semana!!
Amei o texto e, te conhecendo, posso apostar que vc escreveu chorando...de saudades! Beijo, amorinho.
ResponderExcluir(Que beleza de texto, uma ode amorosa ao lugar de pertença, senti-me viajando entre as folhas do livro do Italo Calvino, As Cidades Invisíveis, essa narrativa é diga de configurar entre as páginas dele. Que bonitura!
ResponderExcluir;))
Sorte a minha, que conheço essa cidade, e mais que isso, os filhos dela, como por exemplo a autora de tão belo texto...! Bjs.
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