Grandes Crianças e Crianças Grandes

Elisa, no auge da riqueza dos seus 10 meses


Eu gostava de ter 29. Era um número bonito, meio mágico, meio cidadão do mundo. Vinte e nove, era como ter a maturidade dentro da juventude. Os vinte e poucos me eram docemente familiares. Nos conhecía-mos, nos vivíamos, nos gostávamos. Há uma pouca responsabilidade velada, inerente aos vinte anos. Tudo pode, tudo vale, tudo é perdoável. Haverá sempre tempo depois para consertar. A imaginação é sempre muita, pelo que ainda virá, pelo que poderá ser, pelo que poderemos nos tornar. O tempo é elástico e generoso, nos corteja, nos acarinha, nos ensina com amor, estendendo a mão e mostrando suavemente um sem-número de caminhos, os quais somos sempre descuidados em escolher.
Aos 29, todas as viagens pelo mundo estão muito próximas de acontecer, a qualquer momento. Todos os amores infinitos dão os braços aos nossos vôos. Todas as outras pessoas sonham grande, igual ou diferente de nós. Já sabemos um tanto do que não queremos, e temos certezas absolutas. Já conseguimos enxergar mais claramente os contornos da pessoa que nos receberá nos futuro. O mesmo sorriso, as mesmas mãos, a mesma voz. Seremos nós, em outro, e esta idéia nos parece próxima e real. A qualquer momento, o dia em que seremos adultos poderá nascer.

De repente alguém no Cosmo decide que é a hora de crescer, e então, chegam os trinta. Os trinta, de cara, te cobram (e eu nunca gostei de cobranças, prefiro as conquistas dos meus dias).Cobram que você seja alguém, que tenha alguém, que saiba de onde veio e para onde deseja ir. Cobram que você cuide da saúde, da forma, dos dentes, das unhas, da lingerie. Cobram casa, comida e roupa lavada. Cara lavada, só com muita coragem. Aos trinta, você deve, obrigatoriamente, ser bem-resolvido, bem-sucedido, bem-amado, safo, sociável, letrado, versado, descolado e bom de cama. Já deve ter muitas diversas histórias para contar, ou ao menos, um convincente repertório de mentiras na manga.
Você é chamado, oficialmente (finalmente), de adulto. Não adianta mais recorrer ao coringa do descomprometimento da juventude. Você agora é homem - ou mulher - e trate de portar-se como tal.

Eu gostava de ser criança. E aos vinte e nove, eu ainda era. O mundo ainda não me tratava como alguém que tinha que crescer. Era inocente, boa, boba, displicente, irreverente, semente de mim. Minhas maldades eram todas biodegradáveis. Não me incomodava dizer a idade, nem comer sobremesa. Me incomodava sair só, ou ser comparada com outras pessoas.
Hoje, não. Hoje, eu tenho trinta e o tempo urge.
Deve ser preciso crescer, para aprender a ser criança de novo, e de novo, e de novo. Deve ser preciso mesmo, o inferno para o céu, o medo para a coragem, a solidão para o encontro, a perda para o ganho, o não para o sim, o nada para o tudo.
A vida, com vinte e nove, com trinta, com menos ou mais, às vezes muda mesmo num segundo. Noutras vezes, dá grandes voltas, grandes guinadas, com um passo atrás do outro, depois de muitas velas em cima do bolo. Depois de vários quilos de sal comidos, e vários quilos de açúcar degustados.

Mas eu tinha um bom motivo para gostar de ter 29: sua recorrente impunidade. Lá, eu ainda não sabia (de verdade), que o show tem mesmo que continuar. Se chove, se faz sol, se adoeço, se fico sem almoço, se perco a hora (ou o dia), se falho, se crio, se me assusto, se me supero, se me oponho. Tem que continuar.


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Comentários

  1. Minha querida, "tudo é uma questão de manter a espinha ereta, a mente aberta e o coração tranquilo"... e cultivar prana, energia vital, along the way, all ways...
    beijos e carinho

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  2. Ah, sim, Bia, o show tem que continuar, enquanto a gente estiver podendo entrar no palco. Mas a vida é bela em quase todas as idades. E Elisa, que gracinha!
    Beijos!

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