Para Dois

Amor é essa coisa assim, impalpável. Tão fora das medidas do lógico. Faz nenhum sentido e traz sentido muito. Sentindo muito, porquê amor não se presta a pouco. Amor para dores de cabeça e más-digestão. Amor para filas intermináveis e atendimentos telefônicos indignantes. Desta fruta, eu como, sim, o caroço. Até os indigestos do amor têm doçura, têm calda, têm creme. Se o calo aperta, amor. Se o dente dói, amor. Se a unha lasca, amor. Se a panela queima, amor. Se o carro funde, amor. Com amor eu vou até de ônibus, vou até a pé. Com amor eu atravesso a cidade na hora do rush, entre buzinas e otários, com um sorriso bobo. Há de haver explicação para essa conexão meio bruxa, meio anjo, esse fio de ouro entre um e dois? Há não. Há amor quando o peito urge, há amor quando a hora surge, há amor quando você me vê chegar, e ficar. Um raio, uma nuvem plácida com céu azul, um jeito único de dizer coisas grandes e pequenas. Uma bicicleta voadora para dois. É visão. Enxergar um teco de além-corpo, de além-palavra. Traduzir imensidão onde um é contido. Brincar de saber tudo, saber que o momento acaba, e é eterno. Amado é gente que ganhou na loteria. Prêmio indivisível, multiplicável. Amante é gente que aprendeu. Beijou o chão para beijar os lábios do amado. É amigo, o amante que ri junto e enxerga o desagradável, o necessário e o lúdico, junto. Amor não é adesivo, é tatuagem. Amor é seu, é meu, é nosso. Amor são diferenças tantas brindando na igualdade. Haja calendário e relógio para conter o amor. As horas são sempre poucas, os dias são sempre curtos. Amor quando pisa só, inda deixa quatro marcas na areia. É pardalzinho voando baixo e trazendo minhoca pro ninho. É águia, alcançando longe, tocando o bico na estrela. É sentir a pele com o olhar. Cheiro que não se confunde jamais. Contra patrão azedo, amor. Contra salário baixo, amor. Contra mediocridade, tédio, ansiedade, amor. Mesmo o amor sendo sempre, a favor.