A Anarquia da Hierarquia
Noutro dia, assisti àquelas deliciosas reprises da reprise da reprise, com o filme Amor Além da Vida. De tantos elementos que ficaram na minha lembrança, um deles, marcou com força ainda maior. Interessante que, não me lembro de ter ouvido estas falas das outras vezes. Vai ver, meus ouvidos da época não estavam para isso.
O protagonista da história, lá do outro lado da vida após seu desencarne, é recebido pelo filho. Acontece que, o filho que o recebe é fisicamente muito diferente do filho do qual ele se lembrava. Posteriormente, ele tem a chance de se encontrar também com a filha e com seu primeiro orientador do início da carreira médica, igualmente diferentes das versões originais. O protagonista não sabe, portanto, que se tratam de seus filhos ou seu mentor, pois aparentemente, são apenas pessoas boas que o estão recebendo e orientando.
Lá pelas tantas, as verdadeiras identidades são reveladas, o que é para o pai, uma grande surpresa e alegria. Imediatamente, ele se lembra de quando, ainda vivos, diz ao filho que ele seria a única pessoa com a qual passaria pelo inferno - o que de fato, acontece.
O melhor da revelação fica por conta da justificativa dada ao protagonista, para que a verdade não tivesse surgido, até então. Ele aprende que os relacionamentos são direcionados de acordo com a hierarquia pré-estabelecida entre eles, que são guiados de acordo com as "funções" de cada "cargo". Filho, pai, irmão, chefe. E que isto atrapalha os relacionamentos. Aprende que ele não ouviria o filho da mesma maneira se soubesse, desde o início, quem ele era. Era importante que fosse uma interação livre das noções pré-concebidas do que cada um é, como deve agir, e como deve ser recebido pelo outro.
E aí, é pensar o que seria de todos os relacionamentos se pudéssemos ser apenas pessoas nos conectando a outras pessoas? Simplesmente, pessoas conversando, convivendo, existindo? Sem os caminhos pré-asfaltados do "quem-deve-seguir-quem" e do "quem-deve-conduzir-quem" ?
Evidentemente, uma criança precisa de orientações muito mais didáticas e básicas do que um adulto, por exemplo. Ou, um estagiário precisa de muito mais respostas do que um gerente (ao menos no que deve ser elucidado sobre o dia-a-dia e as experiências do trabalho).
À parte das especificidades, no espaço pessoal da interação de todo dia e na influência natural que uma vida exerce sobre outra, não seríamos todos muito mais livres para ser nós mesmos e buscar nossos verdadeiros caminhos, sem a anárquica hierarquia sob a qual devemos conviver? Não seríamos todos muito mais inteiros sem a obrigação, tantas vezes infértil e dolorida, de seguir ou ser seguido, obedecer ou ser obedecido, monitorar ou ser monitorado?
Não haveria muito mais tempo para nos conhecer e desfrutar, sem o tempo perdido com imperativas determinações que nos cegam a todos?
Não poderíamos ser apenas nós, como fomos feitos para ser?
Seria um sonho tomando forma...a dor e a delícia de sermos o que de fato somos. E ponto.
ResponderExcluirEi, Bia. Nunca tinha vindo a este, dos seus blogs e, por coincidência, encontrar um texto fresquinho.
ResponderExcluirO que mais me chama a atenção nessa cena do filme que vc descreveu é que as pessoas aparecem sob uma roupagem diferente, mas diferente do ponto de vista do outro personagem, porque aquelas formas em que aparecem o filho, o mentor... são as formas com que estas pessoas lembram de si mesmas.
Costumamos vestir as pessoas de conceitos e acabamos criando uma versão nossa de cada pessoa. Não que isto seja ruim, porque é natural, mas é preciso prestarmos atenção porque às vezes machucamos as pessoas cobrando delas e forçando-as a serem, não aquilo que elas verdadeiramente são para si mesmas, mas aquilo que nós idealizamos para elas.
Ou seja, desrespeitamos a individualidade pelo nosso egoísta senso de certeza.
Adorei o texto e gostei do blog tb.
Uri.
Poderia sim, amiga, sermos apenas nós como fomos feitos para ser, mas infelizmente a vida às vezes nos leva por caminhos onde temos de usar certos artifícios para nos entendermos melhor como seres humanos.
ResponderExcluirExcelente a tua reflexão sobre as lições do filme, deu até vontade de assisti-lo.
Fica um raio de sol a brincar no teu dia e um beijo no coração.
Olá Querida!
ResponderExcluirAdorei a releitura e este fórum!
Sabe, fiquei pensando na importância de uma boa convivência com as pessoas, como se todas pudessem ter sido nossos melhores amigos, nossos irmãos; que oportunidade de reencontrá-los, ou encontrá-los de fato.
E, principalmente, respeitando como são, e compreendendo sua história, sua personalidade. Eu tenho muito disso de idealizar o que penso nas pessoas, e elas não são assim, acabo me frustrando. Mas estou aprendendo! :)
Beijo e forrrrte abraço!!!